Daniel Santini: Direita hoje vê tarifa zero como solução
Oct 5, 2024
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Daniel Santini, autor do livro "Sem Catraca" e coordenador de projetos na Fundação Rosa Luxemburgo, discute a surpreendente adoção da tarifa zero por governos de direita no Brasil. Ele analisa como a pandemia expôs o colapso do transporte coletivo e defende a gratuidade como uma solução viável, mesmo que mal implementada. Santini também aborda a relação entre mobilidade urbana e plataformas de entrega, enfatizando a necessidade de políticas humanitárias para motoristas. O aumento das cidades com tarifa zero de 19 para 116 entre 2013 e 2024 também é debatido.
A tarifa zero no transporte público, defendida por partidos de direita, representa uma mudança significativa nas políticas sociais, buscando inclusão e combate à desigualdade.
O colapso do sistema de transporte coletivo no Brasil foi acelerado pela pandemia, evidenciando a necessidade urgente de reformas que considerem a gratuidade como um direito social.
Deep dives
A Crise do Transporte Coletivo no Brasil
O transporte coletivo no Brasil enfrenta uma crise estrutural, caracterizada por uma espiral de declínio que resulta da combinação de tarifas altas e serviços de baixa qualidade. Essa situação leva a uma diminuição no número de passageiros, o que consequentemente provoca novas dificuldades financeiras para o sistema, levando a aumentos de tarifas e cortes na frequência dos serviços. A pandemia de Covid-19 acelerou esse colapso, revelando uma fragilidade já existente que não recebeu a devida atenção. Importantes cidades como São Paulo registraram uma queda significativa no uso dos serviços, com a utilização de ônibus caindo de 3 bilhões de viagens em 2013 para 2 bilhões em 2023, evidenciando a necessidade urgente de reavaliação de políticas de transporte público em todo o Brasil.
O Crescimento da Tarifa Zero e Seu Impacto Social
O número de cidades brasileiras adotando políticas de tarifa zero cresceu significativamente, passando de 19 em 2013 para 116 em 2024, com muitas delas sendo governadas por partidos de direita. Essa política de gratuidade no transporte público é vista como uma potencial alavanca para a inclusão social, semelhante ao impacto do Bolsa Família no combate à desigualdade. Políticos estão percebendo a aceitação popular dessas iniciativas, mesmo em administrações que antes se opunham a elas, e há a expectativa de que essa tendência continue a crescer. O aumento da demanda pelo transporte público em cidades que implementam a tarifa zero destaca uma demanda reprimida e reforça a importância de reformas que garantam a gratuidade como um direito social.
Os Efeitos Negativos da Uberização e Mobilidade Individual
A expansão de plataformas de mobilidade como a Uber têm contribuído de maneira negativa para o sistema de transporte coletivo, canibalizando os serviços tradicionais e criando um cenário de competição desleal. Essa 'uberização' levou ao aumento do número de veículos nas ruas, intensificando os congestionamentos e a poluição, em vez de melhorar a mobilidade urbana. Além disso, o modelo de trabalho precarizado nos aplicativos, centrado na pressa e na gamificação, eleva os riscos dos trabalhadores, especialmente jovens de baixa renda, que enfrentam condições perigosas nas entregas. O desafio, portanto, não é apenas a concorrência entre modos de transporte, mas a necessidade de regulamentar o setor de mobilidade para proteger os trabalhadores e promover um sistema de transporte mais sustentável.
Desafios e Perspectivas para a Implementação da Tarifa Zero
A implementação da tarifa zero em grandes metrópoles como São Paulo representa um desafio complexo, envolvendo questões financeiras e estruturais. O atual sistema de remuneração baseado na quantidade de passageiros pode inviabilizar a gratuidade, pois provoca um aumento dos custos sem qualidade garantida. A mudança desse modelo, que prioriza o acesso e não a receita das catracas, é fundamental para viabilizar a tarifa zero, permitindo que mais pessoas utilizem o sistema. Além disso, a colaboração entre diferentes esferas de governo é essencial para criar um sistema unificado e acessível, e a mobilização social continua a ser um fator importante para alcançar políticas de mobilidade urbana que atendam às necessidades da população.
Quando as manifestações de Junho de 2013 estouraram, era fácil situar politicamente a defesa da gratuidade no transporte coletivo: o movimento estava ligado à esquerda.
Dez anos depois, tudo mudou. O número de cidades brasileiras com tarifa zero universal passou de 19 em 2013 para 116 em 2024, e a maioria delas é governada por partidos de direita.
Esse cenário é analisado por Daniel Santini no recém-lançado "Sem Catraca: da Utopia à Realidade da Tarifa Zero". Para o autor, a pandemia de Covid-19 escancarou que o transporte coletivo está colapsando no país.
Neste episódio, ele afirma que mesmo uma política de gratuidade mal desenhada é melhor que o modelo atual, baseado na receita das catracas, e se contrapõe às críticas que qualificam a tarifa zero como algo irrealizável.