Speaker 2
então como é que tu fazes 20 minutos de stand up? Vai escrever notas no telemóvel?
Speaker 1
Olha, o espetáculo que vou fazer hoje, sim, foi isso. Estive durante as férias a escrever tudo aquilo que há acontecendo e depois a extrapolar por outras opiniões que eu tivesse, ter outras ideias. Por exemplo, um dos assuntos aconteceu com uma conta de Instagram, que isto vai passar depois do meu espetáculo, obviamente. Um rapaz que se chama Simon Grand, é uma coisa assim, que é um rapaz do Kenya, que tem 12 anos, sabe -es quem é? Não. Que tem aquele conceito de eu bato palmas por cada seguidor que me siga. Ok.
Speaker 1
puto, está com as mãos na merda já. E mais 200 mil seguidores ou 300 mil seguidores. Mas
Speaker 2
o quê? Faz um vídeo todos os dias?
Speaker 1
A bater palmas já está em fast forward e não sei o que, o portão é na merda, tipo, todos os dias. E isto é maravilhoso e tu podes pegar nessa questão das palmas para que outro tipo de desafios é que existem, ou o que é que eu faria para ganhar mais seguidores, qual é a pertinência de palmas na nossa vida, o automatismo das palmas, que é uma coisa que me inerva bastante, que é... os comediantes recebem aplausos quando falam muito, muito rápido. E a partir daí podes passar, sei lá, para figuração na televisão, que é que são as palmas ou não, a palma a homem, que tipo palma é a homem, que é a palma que faz barulho, palma a gaja, que é que dói, mas que dá assim, que é que é uma palmada na hora certa, porque sabias que existe a palma de menorca? Não. Existe a palma de maiorca e a de menorca? Quem é que vai para menorca? Sabia os lados chamados menorquina, uma marca de... ou seja, a partir... Bata
Speaker 2
em palmas diferentes em maior que em menor. Imagina.
Speaker 2
podia haver esses fenómenos, microculturas...
Speaker 1
Podia, podia. Ou até nem bater em palmas, já estavam... Havia aquela palma posh, assim só... Tata, tata. Agora as novas palmas que são... Para
Speaker 2
não ofender ninguém. Exato, sim. Mas não há politicamente incorreto. As
Speaker 1
palmas dos surdos também. E a partir de uma coisa que eu vi na internet, eu consigo naturalmente ir buscar 200 outros assuntos. Outra das coisas foi no avião, a questão básica dos hospedeiros. Ninguém presta atenção aos hospedeiros. Nunca nenhum comediante
Speaker 2
fez comédias sobre aviões,
Speaker 1
nem aeroporto. Nunca, nunca. Mas pronto, tive... Olha, uma das coisas até que te perguntei, como é diz nhex no porto por causa disso, que é... O que é que eu faria se fosse a hospedeira para chamar ali a atenção das pessoas? Estar a ir fazendo nhex durante as demonstrações e depois a partir daí é... Qual é a diferença entre a classe? Há uma classe estereconómica agora na TAP. Ah
Speaker 2
é? Tipo mais desconfortável? Sim. Por pósito? Sim. É lá atrás? É no fundo do avião? Sim.
Speaker 1
Oh, xiste não tem tomadas nem nada. Espera aí que se não houver ali ninguém a meio eu pego lá a meio.
Speaker 2
Na dos pobres? Na
Speaker 1
dos normais pobres. Ali está nas super pobres. Sim. Isto dá tudo.
Speaker 2
Isso é muito material.
Speaker 1
Tudo é material. Tudo. Sem ir para o básico do bater palmas se o avião aterra. Mas
Speaker 2
tu sentas depois a trabalhar essas ideias? E mandas para amigos?
Speaker 1
Não, não. Caguei para isso. Eu agora... Estes últimos espetáculos que eu tenho feito são muito nesse sentido de aceitar como é que o meu cérebro funciona. E o meu cérebro funciona assim, por associação livre, muito rápida e muito espontânea. Em que, em palco, eu consigo ver o que não está a resultar e consigo sacar um cavalinho tipo Conan O 'Brien. Não me estou a comparar, calma, não sou a Cristina a comparar -se à Diana. Mas o Conan O 'Brien, quando o guião era uma merda, sacava de uma dancinha, ou imitava uns mamilos, não sei o quê. Eu tenho umas para sacar. Se correr mal, eu tenho umas de bolso para salvar a cena. E tendo essa confiança, nesse caso, eu quando estou a escrever no computador, eu tenho toda a liberdade para escrever o que quiser, cagar para o ritmo, cagar para a fórmula do setup punch e a regra dos três e não sei o que, fazer tudo matemático, olha tipo... agora esqueci -me do nome dele, o gajo de Louis C .K. como eles fazem, de limar tudo, nananã... Pá ,ou só a ser, estou só a escrever aquilo que me acontece. E eu tenho a certeza que aquilo que tiver graça vai ficar na minha cabeça.
Speaker 2
Daquilo que estás a escrever.
Speaker 1
Daquilo que eu estou a escrever vai ter graça, eu sei que me vou lembrar. Esta do puto é fácil e esta ligação é natural, porque aquilo que eu escrevi é natural. E portanto vou para palco e aquilo que vai a pena vai -me sair naquele momento.
Speaker 2
Mas espera aí, se aquilo que tu achas que vale a pena, não fizer ninguém rir. É bom teres mandado para outra pessoa ou para outras pessoas? Não,
Speaker 1
não. É péssimo para mim mandar para outras pessoas, porque a entrega, no meu caso, é mesmo muito mais de 70% da piada daquilo que eu faço. É mesmo. E quando tu lês uma das coisas que eu escrevo às pessoas, elas ouvem com um tom de crónica, que é, descobrir um miúdo que tem 12 anos no Quênia e que bate palmas por cada seguidor que recebe. Bem, as palmas das mãos já lhe devem doer bastante. E
Speaker 2
agora faz como é que vais fazer hoje à noite? Pauva
Speaker 1
um puto. Vocês não noção. Não têm noção. Primeiro, como é que o gajo tem internet se está no Kenia? Não tem nada para comer, mas estão cheios de internet. Ai, cheios de internet. Vamos embora. Temos um influencer. Porquê? Porque mostra pão. Mostra. Olha um bocado de pão que eu tenho. Olha a parceria que eu fiz ali com a panificação. Nem é daquela esquina, porque não há casas, não há casas! Ok, mas isso é o contexto. Não, mas isto é. Então o que é que o gajo faz para ganhar a vida? Estás a dizer, o gajo bate palmas, vamos embora. Qual é a diferença entre este gajo e uma filha? Estou a inventar, isto não vai ser o que... Mas isto é o que me está a sair agora. E vou percorrendo assim a história, a ideia, e depois vou fazendo callbacks a meio do espetáculo. Imaginem, em princípio, as pessoas baterão palmas várias vezes ao longo do espetáculo, podem sempre ir buscar essa história outra vez, na na na. Estão
Speaker 2
-me meio improvisada?
Speaker 1
Antes eu teria vergonha de dizer que sim.
Speaker 2
Porque soaria armante? Soaria arrogante?
Speaker 1
Não, porque soaria amador. Nesta área eu sinto que aquilo que...
Speaker 2
Ah, já percebi, acho que já percebi o que vais dizer.
Speaker 1
Percebes? O crowd work e aquilo que não é escrito, que não é trabalhado, que não tem sacrifício judaico -cristão, se não arrastas a cruz contigo, é porque não mereces não sei o que, não sei o que mais. Eu comecei a desconstruir isso e pensar, aquilo que eu tenho em mim, estas skills que eu tenho, vieram já de um arrastar da cruz, várias coisas que eu tive a fazer ao longo da minha vida para me safar, para ganhar esta... ilcoência, como tu diz, esta articulação, o carisma, o quer que seja e portanto, pá, é mais improviso. É! Fudam -se! Isso corre
Speaker 2
bem, então és um grande talento. E és um grande talento. Se isto que fizeste agora foi improvisado. Foi,
Speaker 1
juro que foi. Totalmente improvisado. E estou a aprender a aceitar. A aceitar elogios. Sim, e a cena é, há de haver momentos em que não corre bem, mas como aquilo que eu estabeleço com as pessoas não é uma relação egoica, ou seja, eu não quero ter eu estou a falar para pessoas e quero ser vista assim, mas as pessoas vivem em todas as minhas dimensões. Ou seja, eu estou a fazer graças, mas a determinado momento também posso fazer uma reflexão de, se cal não devia ter feito isto, se cal não devia ter dito à minha filha que não sei o que, não sei o que mais. E rapidamente retomo as piores coisas que eu posso dizer à minha filha. E lembro -me ali, na altura, eu acho que acaba por ser... Imagina, se... Eu acho que disse isto na minha podcast, é provável, não é? Porque eu faço um episódio todos os dias. Mas se o teatro tem uma quarta parede, que a minha parte, não é? Mais ou menos. Se o stand -up tira a terceira parede, eu não quero sequer que haja a segunda parede. Eu quero só estar na minha, fazer as minhas merdas e que as pessoas estejam com mim. Eu nem com a Ecclers me importo. Tipo, fazem -me um espetáculo, é na boa. A
Speaker 2
segunda parede é parede da escrita? É parede da ilusão daquilo estar a ser inventado naquele momento? Sim.
Speaker 1
Sim. É o trabalhar em prol de um objetivo, sentir que existe uma preparação gigante para isso. Sinto que eu já passei por essa fase e não quer dizer que eu não volto aí novamente, e não quer dizer que eu não esteja nesta fase para me escudar da minha incapacidade de fazer outra forma. Bem, não é isso, existem várias coisas que podem estar a acontecer aqui, mas eu, eu, eu, eu, em muitos espetáculos de stand -up que eu vejo, as partes que eu mais gosto é quando as pessoas aparentemente se desconstroem. E eu não estou a fazer isso aparentemente, é só isso. Ou seja, ou não sou boa o suficiente, ou estou -me a cagar, ou estou só a ser, não sei, não sei que é, mas divirto -me muito mais assim, com muito menos stress e como já tenho aqui algum mérito de estar a trabalhar para um determinado público que gosta de mim, torna -se tudo muito mais fácil, mas quando não estou também é interessante porque as pessoas não estão à espera. Isso é giro. Eu gosto disto, gosto de fazer
Speaker 2
Pô, isso é muito interessante, porque tu tu ao mesmo tempo, estás a, ao mesmo tempo que estás a fazer a tua cena, parece -me, a tua cena genuína, estás também a fazer pós -comédia ou a desconstruir a comédia como ela é neste momento. Essa coisa que todos nós minimamente interessados em comédia já ouvimos de trabalhar o texto, testá -lo, trabalhar o texto, testar -lo, mandar a pessoas testar mais, não é? Estás um bocado a fugir a isso. Estás a ir para um caminho muito mais intuitivo.
Speaker 1
Porque nesse caso isso não me ajuda. É como enviar as coisas para amigos, não me ajuda. Eu sou tão insegura, tão insegura que se mandar, por exemplo, ao meu namorado, se eu lhe dizer, olha esta piada não acho graça nenhuma. Eu não vou conseguir escrever mais nesse dia. Tipo, não consigo. Acabou. Nada do que eu faço tem graça, isto que eu achava que era fantástica, afinal não tem graça nenhuma. Acabou. Não há cá opiniões. É como a cena dos livros. Não quer saber. Não quer saber. Eu depois, quando vou ao palco, eu vejo como é que corre e como é que não corre e estou a ganhar escuta. Não é? Da mesma maneira que as pessoas que trabalham música, que vivem música, conseguem perceber logo se uma viola está desafinada ou não, eu também estou a ganhar escuta. E quando eu estou a escrever eu ouço -me a fazê -lo, ou sei... já sei o que é que vou fazer com aquele alho, sabes? Em vez de... ah, deixa -me lá ler o que é que eu posso fazer com o alho. Vou cortar o alho completamente cortadinho, que é para ver como é que faço o arroz. Não, meu, sou aquela gaja que se calhar bate o alho, o alho vai com a casca, mas o bife sabe muito bem na mesma e eu outro tipo de bife, percebes? Em vez de pensar, por que é que eu não sei cortar como as chefes? Estou nesse processo de...
Speaker 2
Sim, música e culinária parecem excelentes metáforas para isso. Sim,
Speaker 1
há um lado mais técnico, que é super artístico na mesma, mas há um lado também mais intuitivo, há uma mistura dos dois. Eu sempre me senti tão mal por não ser técnica, ou melhor, pela minha técnica ser de certa forma inata, percebes? Ou seja, aquilo que tu tavas a dizer na minha poteca, isto está -me a parecer muito, não é? Não? Aquilo que tu diz na minha poteca, a minha forma, naturalmente, já vou dando algumas piadas aqui a colar, quando alguns dos comediantes que eu conheço não são naturalmente engraçados. São pessoas que querem ser comediantes, que adoram comédia e que trabalham muito o texto para em palco serem flawless.
Speaker 1
Seinfeld, por exemplo. Percebes? Ele trabalha comédia. Tudo. Mas depois vais ver uma Degeneres, que também trabalha sim. religiosas, ir para assuntos assim um bocadinho mais chocantes para quem não esteja habituado a ver comédia, que é para criar um bocado de choque. Todos nós temos as nossas técnicas e as nossas ferramentas, percebes? No meu caso, por exemplo, uma coisa que eu uso muito quando estou envergonhada é falar do meu peso, que já me disseram que não resulta porque eu não sou assim tão gordo, então fica só esquisito, ou falar do facto de ter amamentado e ter as memas descaídas. Estou completamente farta de falar desses assuntos, mas eu sei que são duas coisas que, na parte das memas, é uma coisa que eu sei que tem impacto, que as pessoas se relacionam logo. E portanto faz parte, é como fazer um refogado, o refogado para o arroz resulta. Portanto, vou fazer, como os artistas que vão tocar num concerto, se cal tem de tocar, neste caso não é o greatest tit, não é? Mas tem de tocar essa. Ai, faz parte. E estou a aceitar -me assim, honestamente. Tipo... Há
Speaker 2
uma coisa que não bate muito certo contigo e com outros comedientes que é que tu dizes eu sou tão insegura, tão insegura, tão insegura que... e depois dizes qualquer coisa, mas também vais para um palco sozinha com o microfone durante 20 minutos sujeitar -te às pessoas, tipo a tu dizeres uma piada e as pessoas ficarem caladas. Percebe porque é que isso não bate muito certo?
Speaker 1
Percecebo, perfeitamente. Percebo. Mas é... aqui tu devias compreender -me, porque é o desafio. Ah,
Speaker 2
então também gostas de adrenalina?
Speaker 1
Gosto se a recompensa for do caraças. Percebes? Eu acho que... eu tenho nada a pensar nisto porque eu até recentemente estava na Antena 3, depois o projeto acabou, que é como se diz, fui despedida em recebidos verdes, né? Mas... eu não sei fazer mais nada. Eu... tudo aquilo que eu faço daqui para a frente, eu teria que aprender, eu teria que me formar, teria que tirar um curso sobre isso, ou teria que estudar muito sobre isso. Aquilo que eu realmente tenho e naquilo em que eu realmente sou boa é a comunicar. Percebes? E stand up é apenas mais uma variante dessa comunicação e que tem o prazer de estar à frente de pessoas. E stand up, por acaso, é o nome aproximado daquilo que eu faço. Eu no outro dia fui dar uma palestra para uma revista feminina, tanto que olha eu a inibir -me, ué, e era suposto não ter um tom extremamente cómico, mas não consigo não o fazer, porque eu acho que é super aborrecido estar a ouvir pessoas a falar sem me entreter. Percebes?
Speaker 2
Perfeitamente. é
Speaker 1
claro que há de haver temas mais difíceis do que outros, mas o meu pai, por exemplo, é professor universitário e eu sei que as alas dele são bastante interessantes porque a personalidade dele também é muito marcante. Eu acho que o objetivo da comunicação é este, é entreter. E não é só entreter, informar entretendo, entretendo, informando, fazer pensar, tudo o resto. E eu em palco entro no meu lado mais maníaco, ou seja, estou mais up e forço -me a estar mais up. E é isso que eu faço. Não vejo como coragem. mas antes tinha mais coragem, porque não sabia o que é que estava a fazer e porque tentava escrever. E tentava decorar e eu não consigo decorar texto. Não...
Speaker 2
Decora o tema. Tipo, são estes 10 temas.
Speaker 1
Sim, por exemplo, agora no comboio Virkater escrevi Putucénia Palmas. Pronto. Vai
Speaker 2
ser só a volta disso?
Speaker 1
Não! Estou a dar uma das linhas. Sim, Puto do Quênia Palmas, Ospedeiros, Carauque, Matraquilhos, Pinkpong, Melhor Amiga... e só ter esse sistema já dá ok, ok, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, ar mental, saúde mental, para conseguir olhar um bocadinho para fora de mim, ver o que é que se faz a nível artístico, é que consegui contextualizar melhor, e perceber que aquilo que eu faço não é uma merda só porque não estou a sofrer em casa a fazê -lo. Percebes? Só olhando para aquilo que é feito. Tipo, ok, este gajo está a passar -me a mensagem. Como que perdeu mais do que 5 minutos a fazer esta merda? Eu estou a apreciar, estou a adorar, estou a cumprir a funcionalidade, estou a construir uma narrativa em torno disto. Isto está a me inspirar para fazer outras coisas. Isto é arte. Eu não estive a fazer uma pintura hiper realista de um retrato de um gajo durante 88 horas, com um pincelinho só com dois pelos, percebes? E pronto, é isso. Anínteseaz -me -ada com isto, acho que estou contente.